Desde que se ouviu falar em alterações legislativas relacionadas com a união de facto que muitas questões certamente te surgiram: os unidos de facto possuem os mesmos direitos dos casados? Em caso de falecimento de um dos membros do casal, o outro tem direito a receber herança? Podem fazer tributação conjunta? Na eventualidade de separação, existe partilha de bens? Vamos responder a todas estas questões.
Ouviste dizer que, hoje em dia, as uniões de facto produzem os mesmos direitos que os casamentos? Não é inteiramente verdade. É um facto que a ordem jurídica atualmente equipara a união de facto ao casamento em alguns aspetos, mas não se pode dizer que considere estes dois regimes como sendo iguais para todos os efeitos.
Ora vejamos as principais dúvidas com as quais provavelmente já foste confrontado.
Em que consiste o regime da união de facto?
Um casal, independentemente do sexo, que viva em conjunto como se fosse casado (portanto, com um relacionamento estável e partilhando casa) há dois anos é considerado como estando em união de facto. Existem alguns critérios que terão de cumprir para a união se verificar:
Ambos os unidos de facto terão de ser maiores de idade, ou seja, terem mais de 18 anos;
É obrigatório que nenhuma das pessoas tenha um casamento anterior que ainda não tenha sido legalmente dissolvido, exceto nos casos em que o regime do matrimónio cessante tenha por base a separação de bens;
Não podem sofrer de qualquer problema de natureza psíquica, como demência, antes de ser comprovada a união;
É necessário que não haja um grau de parentesco em linha reta ou em 2º grau da linha colateral;
Nenhum dos unidos de facto pode ter sido condenado por motivos de homicídio.
A linha de parentesco diz-se reta quando um dos parentes descende do outro. Por exemplo, pais e filhos ou avós e netos. Por sua vez, diz-se colateral quando nenhum dos parentes descende do outro, mas ambos procedem de um progenitor comum. Inserem-se aqui, por exemplo, as seguintes situações: irmãos, por meio dos pais; tios, por meio dos avós; sobrinhos, por meio dos irmãos; ou sobrinhos-netos, tios-avós e primos.
Como provar que vivo em união de facto?
Para se provar que se está nesta situação, é necessária uma declaração da Junta de Freguesia para o efeito. Se ambas as pessoas tiverem filhos em comum, estes também podem ser prova da união de facto.
Existem ainda outras maneiras de comprovar a união de facto, tais como a emissão de faturas com a mesma residência ou ainda testemunhos de vizinhos que possam comprovar que as duas pessoas vivem em união de facto há, pelo menos, dois anos.
É obrigatório solicitar um crédito à habitação em conjunto?
Imagine que se encontra em união de facto e quer comprar uma habitação, mas ambos os membros do casal concordam que a propriedade só deve ficar no nome de um deles, até porque o empréstimo seria pago apenas por um.
Quando fores ao banco para solicitar o crédito, é obrigatório que tenhas dois titulares? Não, atualmente já não é mandatório incluir-se o outro membro do casal como segundo titular.
Os unidos de facto têm direito a fazer o IRS em conjunto?
Sim, têm, mas para tal têm de provar à Autoridade Tributária e Aduaneira que estão em união de facto. Como? Existem duas opções:
Se ambos tiverem a mesma morada fiscal, então está automaticamente comprovado;
Caso a morada fiscal não coincida, têm de apresentar a declaração da Junta de Freguesia a comprovar a união de facto.
Portanto, os unidos de facto dispõem dos mesmos direitos dos casados em matéria de IRS: se assim o desejarem, podem optar pela tributação conjunta.
Que responsabilidades parentais têm?
No que diz respeito à responsabilidade de educar e cuidar dos filhos, os pais que se encontrem juntos por união de facto apresentam os mesmos direitos de pessoas casadas por matrimónio.
Se houver uma separação, então aí será definido em que termos será feita a guarda das crianças, sendo que existe também o direito à pensão de alimentos.
Têm direito à adoção?
Se estiverem a viver juntos há mais de quatro anos, e ambos os parceiros tiverem pelo menos 25 anos, têm direito à adoção de uma criança. Este direito está explícito no artigo 1979.º do Código Civil.
Pode aplicar-se a regra das férias em conjunto?
O direito a tirarem férias em conjunto é um dos temas em que a união de facto se equipara ao casamento, o mesmo se aplicando às licenças de maternidade/paternidade.
Em caso de separação, que direitos têm os unidos de facto?
Desde logo, cabe referir que só o casamento é que implica um regime de bens. Disto resulta que, em união de facto e perante uma separação, não há propriamente lugar a uma divisão ou partilha de bens entre ambos.
Evita conflitos ao fazer um contrato de coabitação
Perante uma separação, e uma vez que não existe um regime de bens legal aplicável, o que os casais que vivem em união de facto podem fazer para se protegerem de futuros litígios é um contrato de coabitação.
Este documento, que deve ser celebrado por escritura pública num Cartório Notarial, define a divisão do património consoante os bens que cada membro do casal adquiriu, bem como deve indicar uma divisão de responsabilidades clara entre ambos face à existência de dívidas ou contas bancárias conjuntas.
Em caso de falecimento, quais os direitos do membro sobrevivo?
Em termos legais, um unido de facto não é considerado um herdeiro legítimo e, por isso, não tem direito a parte da herança, a não ser por testamento através da quota disponível.
No entanto, existe uma ressalva relativamente à casa em que vivia o casal. Na eventualidade de falecimento de um dos membros do casal e se estes porventura já estivessem em união de facto há mais de cinco anos, o outro membro reserva-se o direito de viver no imóvel por um período temporal igual ao da relação.
Mesmo findo este prazo, o membro do casal sobrevivo tem direito de preferência na venda da habitação de família ou pode permanecer na mesma em regime de arrendamento.
Cabe ainda referir que, perante o falecimento de um dos membros do casal, o membro sobrevivo tem direito a pedir o subsídio por morte e uma pensão de sobrevivência, sendo necessário, para tal, provar que a união de facto existia há mais de dois anos à data da morte.
Direitos dos unidos de facto em caso de emigração dentro da União Europeia (UE)
Se um casal que vive em união de facto decidir ir viver para outro país dentro da UE (considerando os 28 países desta área, bem como a Noruega, a Islândia e o Liechtenstein), a legislação europeia estipula que o país acolhedor facilite a entrada e a residência do parceiro mediante prova desta relação estável e duradoura.
Mas quais são as desvantagens comparativamente com casados?
Um casal que viva em regime de união de facto não beneficia das mesmas vantagens que as pessoas casadas. Isto torna-se mais claro quando se verificam algumas disparidades em relação aos direitos partilhados por casais unidos por matrimónio, nomeadamente:
Numa união de facto, como não existe um regime legal de divisão de bens, então, em caso de divórcio, os bens devem ser divididos pela proporção que cada uma das pessoas contribuiu para a compra do bem em si;
Em casos de paternidade, quando são apenas unidos de facto, é necessário o reconhecimento voluntário por parte do pai;
Os unidos de facto não podem partilhar o último nome, esse aspecto é reservado apenas a casais juntos por um casamento civil;
Em caso de morte, visto que as pessoas que estejam em regime de união de facto não são herdeiros legítimos da pessoa que falecer, ao invés dos casados, terá de existir um testamento legal da pessoa falecida que comprove essa herança;
Se os unidos de facto se separarem, caso exista uma pessoa que tenha enriquecido sem causa à custa da outra, a primeira poderá ter de devolver aquilo que obteve. Isto também se aplica com bens adquiridos com esse dinheiro. Ou seja, se uma das pessoas adquiriu um bem em seu nome, mas com dinheiro da outra pessoa, não se pode entender que o bem é apenas da pessoa que formalmente o comprou;
Em regime de união de facto, contrariamente ao casamento, não existe a obrigação de certos deveres, como é o da assistência e cooperação com o cônjuge.
Em que situações termina uma união de facto?
O regime de união de facto deixa de vigorar aquando das seguintes ocorrências:
Se alguma das pessoas assim expressar a intenção de terminar a união;
Na eventualidade de uma das pessoas se casar legalmente;
Caso um dos unidos de facto falecer.
Deverá ser entregue uma declaração, sob compromisso de honra, que explicite o fim da união, de forma a oficializar este ato.
Em conclusão, a união de facto tem realmente algumas semelhanças com a figura do casamento, mas, no entanto, apenas produz os mesmos direitos em matéria de salvaguarda da habitação e de assistência social. Cada vez mais pessoas vivem em união de facto (de acordo com os últimos Censos (2021) disponibilizados e conforme dados da PORDATA, são 1.008.604 portugueses), pelo que vale a pena conhecer todos os seus contornos legais.