Imagina que ganhaste um prémio de lotaria, recebeste aquela herança da tua tia-avó ou tinhas uma conta-poupança na qual foste sempre colocando um montante considerável de parte. Agora, soubeste da possibilidade de abater o valor total de um empréstimo. A pergunta que se impõe é: amortizar crédito com esse dinheiro vale a pena ou é mal jogado?
Recebeste uma soma de dinheiro inesperado?
Procuramos dar resposta a estas questões e avaliar, face a uma decisão deste género, que opção deverás tomar.
Amortizar empréstimo ou não? O caso do Martim e da Mariana
Analisemos um caso prático: um casal, o Martim e a Mariana, estão perante um cenário a partir do qual serão confrontados com duas opções.
O jovem apostou, como é hábito, no EuroMilhões e ganhou 40 mil euros relativos ao terceiro prémio. Antes deste golpe de sorte, em 2014 o casal tinha comprado um apartamento em Lisboa, na Avenida Almirante Reis, detendo um crédito habitação no valor de 80 mil euros.
Passado um ano, em janeiro de 2015, solicitaram um crédito pessoal no valor de 15 mil euros para se casarem.
Finalmente, no final do ano, quando o Martim ficou efetivo no seu emprego, decidiram fazer a tão aguardada lua-de-mel nas Maldivas, que custou 4 mil euros e foi paga com cartão de crédito.
Perante a felicidade de terem ganhado o EuroMilhões, o Martim e a Mariana deparam-se com uma grande dúvida existencial: agora têm 40 mil euros à disposição e a primeira coisa na qual pensam, por impulso, é em livrarem-se do maior encargo financeiro que possuem – o crédito à habitação. Por outro lado, há muito que desejavam comprar um carro. Mas será a melhor opção amortizar crédito ou investir num novo carro?
Vamos pesar tudo… Que decisão tomar?
As prestações que o casal tem hoje são: 429,37 euros do crédito à habitação; 281,97 euros do crédito pessoal para o casamento; e 136,24 euros do cartão de crédito que usaram para pagar a lua-de-mel. Face a estes valores, devem ou não amortizar crédito?
Dado que a taxa de juro do crédito automóvel é mais baixa do que a do crédito pessoal e cartão de crédito, existem duas decisões a analisar:
Abatem o crédito com maior duração, que é, neste caso, o crédito à habitação e contraem um crédito automóvel no valor de 30 mil euros com apenas 6 anos de prazo;
Amortizam por completo os créditos com maior taxa de juro, que são o cartão de crédito e o crédito pessoal, e contraem um novo crédito de 9 mil euros para o carro com um prazo de 6 anos.
Antes de mais, um dos fatores para os quais se deve olhar é para as taxas de juro, dado que a decisão entre amortizar o empréstimo ou não dependerá precisamente destes valores.
Neste âmbito, convém atentar em cinco definições importantes: a diferença entre a TAN e a TAEG, a Euribor – que é o indexante no crédito à habitação e a taxa de juro que os bancos utilizam para se financiarem entre si na Zona Euro, o spread – que corresponde ao lucro do banco com o empréstimo e, finalmente, a TANL – que é o rendimento gerado por uma aplicação financeira após um ano, depois de deduzidos os impostos.
Decisão 1: amortizar crédito à habitação e comprar o carro com novo crédito
Se o Martim e a Mariana usarem os 40 mil euros para abater no crédito à habitação, no final ainda ficam com 40 mil euros desse crédito à habitação por pagar, com uma prestação de 214,69 euros durante os 30 anos.
Como querem comprar o carro, acrescem 30 mil euros num crédito automóvel cuja prestação é de 598,58 euros, a uma TAEG de 10,6%, para pagar durante 6 anos. Além disso, ainda ficam com 281,97 euros do crédito pessoal, a uma TAEG de 12,2% durante mais 4 anos e uma dívida do cartão de crédito com uma mensalidade de 136,24 euros nos próximos 2 anos e meio com uma TAEG elevadíssima de 16,2%.
Tipos de crédito | Montante | Prestação | Duração | TAEG/TAN |
Crédito à Habitação | 40.000€ | 214,69€ | 30 anos | TAN = 4,738% |
Crédito Pessoal | 15.000€ | 281,97€ | 7 anos | TAEG = 12,2% |
Cartão de Crédito | 4.000€ | 136,24€ | 3 anos | TAEG = 16,2% |
Crédito Automóvel | 30.000€ | 598,58€ | 6 anos | TAEG = 10,6% |
Portanto, se tomarem esta decisão, as prestações com que ficarão a partir do momento em que usam os 40 mil euros do EuroMilhões para amortizar o empréstimo da casa são precisamente:
214,19 euros (que é o que resta da prestação da casa) + 281,97 euros (crédito pessoal) + 136,24 euros (do cartão de crédito) + 598,58 euros (empréstimo do carro). Tudo junto, dá uma prestação de 1.230,98 euros.
À partida, a decisão número um pode parecer mais atrativa, dado que a casa se constitui como o maior encargo. Contudo, feitas as contas, ao amortizar o crédito à habitação, ainda ficam com uma prestação de 1.230,98 euros. Para os seus rendimentos, constituir-se-ia como um esforço financeiro que levaria a que prescindissem de grande parte da sua qualidade de vida. É importante realçar, no entanto, que ao fim de 7 anos terão uma prestação mensal de apenas 214,69 euros.
Decisão 2: amortizar empréstimo pessoal e cartão de crédito, e comprar carro
Se abaterem, na totalidade, o crédito pessoal (15 mil euros) e o cartão de crédito (4 mil euros), em vez do crédito à habitação, amortizam 19 mil euros e ficam despachados destas dívidas.
Visto que o Martim e a Mariana pretendem comprar um carro no valor de 30 mil euros, com os 21 mil euros que ainda restam do dinheiro do EuroMilhões (40 mil euros – 19 mil euros = 21 mil euros), só precisarão de pedir um crédito automóvel de 9 mil euros.
Tipo de Crédito | Montante | Prestação | Duração | TAEG/TAN |
Crédito à Habitação | 80.000€ | 429,37€ | 30 anos | TAN = 4,738% |
Crédito Automóvel | 9.000€ | 179,57€ | 6 anos | TAEG = 10,6% |
Se tomarem esta decisão, as prestações com que ficarão a partir do momento em que usam os 40 mil euros do EuroMilhões para amortizar crédito pessoal e o cartão são 429,37 euros (o empréstimo da casa) + 179,57 euros (do crédito automóvel).
Todavia, não nos podemos esquecer do fator tempo: neste cenário, o casal terá uma prestação mensal de 429,37 euros do sétimo ano em diante – um valor mais elevado do que no cenário 1.
Ano | Decisão 1 | Decisão 2 |
2016 | 1.230,98€ | 608,94€ |
2017 | 1.230,98€ | 608,94€ |
2018 | 1230,98€ – 136,24€ = 1.094,74€ Acabam de pagar o cartão de crédito neste ano. | 608,94€ |
2019 | 1.094,74€ | 608,94€ |
2020 | 1.094,74€ | 608,94€ |
2021 | 1.094,74€ | 608,94€ |
2022 | 1.094,74€ – 598,58€ – 281,97€ = 214,19€ A meio do ano acabam de pagar o crédito pessoal e o carro neste ano, ficando apenas com a prestação da casa. | 608,94€ – 179,57€ = 429,23€ A meio do ano liquidam o crédito automóvel, ficando apenas com a casa para pagar. |
A diferença entre as prestações da decisão 1 e da decisão 2 é de 622 euros nos primeiros dois anos e de 486 euros nos quatro seguintes.
Mas, com a decisão número dois, o Martim e a Mariana irão pagar uma prestação de crédito à habitação duas vezes mais elevada durante mais de vinte anos [429,23 euros – 214,19 euros = 215,04 euros].Embora a curto prazo possa ser a opção mais viável, é muito importante, para além de considerar as taxas de juro e o valor das prestações dos créditos, olhar para o prazo dos empréstimos.
Ainda há uma terceira opção para amortizar crédito?
O Martim e a Mariana até tinham capacidade para suportar os custos inerentes à decisão número um (os tais 1.230,98 euros que depois baixariam para 1.094,74 euros).
Mesmo assim, optavam pela decisão número dois, fazendo o esforço de poupar a diferença de valor entre as duas decisões ao longo dos seis anos.
Será que amortizando o valor amealhado durante esses anos o casal conseguiria obter uma prestação mensal relativa ao crédito habitação ainda mais competitiva? Quanto permitiria esta opção poupar ao final dos 22 anos que ainda restam para terminar o pagamento do apartamento?
Se, ao invés de decidirem amortizar crédito à habitação com a decisão número um, optarem pela decisão número dois e fizerem o esforço de poupar o dinheiro relativo à diferença entre as duas opções, ao fim de 6 anos já pouparam 38.247,36 euros (82.091,04 euros – 43.843,68 euros).
Com estes 38.247,36 euros, podem então abater no valor da casa os 71.618,56 euros que faltam.
Ao fazerem essa amortização, ficam depois com apenas 33.371,20 euros por pagar da casa (71.618,56 euros – 38.247,36 euros). Nos 22 anos que ainda faltam para pagar o crédito à habitação, ficam com uma prestação de somente 219 euros.
Ao optar pela decisão número dois e poupando, o casal acaba por ficar com uma prestação mensal ainda mais baixa do que se optasse pela decisão número um, que à partida parecia ser mais acessível.
Com a decisão número um ficariam com uma prestação de 241,19 euros e com a decisão número dois ficam a pagar uma prestação de 219 euros nos próximos 22 anos.Entre as prestações da decisão número um e a decisão número dois há uma poupança mensal de 22,19 euros, o que se traduz num encaixe anual de 266,28 euros para o jovem casal.
Assim, ao fim de 22 anos, o Martim e a Mariana conseguirão poupar 5.858,16 euros.
Em suma…tudo depende das dívidas e dos juros que se pagam
A decisão entre amortizar crédito ou não prende-se essencialmente com a quantidade de dívidas que tens e com as taxas de juro associadas (quanto mais elevadas estas forem, mais compensa amortizar), para além do prazo em questão.
O caso só mudaria de figura se se conseguisse aplicar o dinheiro que se tem de parte num investimento que permita uma rentabilidade muito mais elevada do que as taxas de juro desses empréstimos mas, na verdade, é muito difícil encontrar elevadas taxas de retorno associadas a baixo risco. Assume-se, assim, que tudo depende das taxas de juro praticadas e dos valores dos créditos em si.
Tenha em atenção que ainda há outra forma de se conseguir poupar: se possuir vários créditos pode consolidá-los num só. Tal decisão pode trazer várias vantagens: fica, desde logo, a pagar uma taxa de juro mais baixa. No entanto, a oferta deste tipo de créditos é variada – várias instituições oferecem diferentes condições e benefícios – logo importa analisar bem o mercado.